Reportagem
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A professora Mariluci garante: ''Vou alfabetizar todos eles até o fim do ano''

Com um planejamento que inclui atividades diversificadas e muito estudo e dedicação, Mariluci Kamisaka garante que seus alunos, moradores da maior favela de São Paulo, saiam da 1ª série lendo e escrevendo

 

Todo ano, um de cada seis alunos que entram na 1ª série é reprovado. Outros 18% chegam à 4a série sem terem sido alfabetizados. Essas crianças, condenadas ao fracasso no início da escolaridade, vêm de famílias que não têm acesso à leitura e à escrita e, mal atendidas pelo sistema de ensino, acabam permanecendo nessa situação de exclusão. Em várias escolas brasileiras, porém, há professores dedicados que não aceitam desculpas extraclasse para não ensinar. NOVA ESCOLA encontrou três profissionais que acreditam, de fato, que todos podem aprender. As histórias de Janice Cunha, de Porto Alegre, e Edinelma Ferreira de Souza, de Utinga (BA), você encontra na reportagem "Ler e escrever na 1ª série". Nestas páginas, você vai conhecer Mariluci Falco Fernandes Kamisaka e sua turma de 1ª série da EE Maria Odila Guimarães Bueno, em São Paulo.

Neste ano, ela tem uma turma com 32 crianças, quase todas moradoras da favela de Heliópolis, a maior da cidade. Elas são filhas de pais com baixa escolaridade e têm pouco acesso a materiais escritos - o que as diferencia das nascidas em ambientes em que livros, revistas e jornais circulam naturalmente e em que a leitura é valorizada e a escrita utilizada no dia a dia. Ensinar para essa clientela, que muitos consideram condenada ao fracasso, não assusta Mariluci. Ao contrário. Com conhecimento teórico, uma prática bem planejada e muita dedicação, ela tem evitado que seus alunos sigam na escola e na vida enfrentando dificuldades para fazer da leitura um meio de aprender, se informar, trabalhar e participar da sociedade em pé de igualdade.

Mariluci não inventou nenhum método revolucionário. Muito do que essa professora de 39 anos faz está descrito nos Indicadores de Qualidade na Educação - Ensino e Aprendizagem da Leitura e da Escrita, elaborados pelo Ministério da Educação (MEC), pela Ação Educativa e por outras entidades ligadas à alfabetização. O documento defende que os estudantes tenham contato com diferentes tipos de texto, ouçam histórias todos os dias e observem adultos lendo e escrevendo. Além disso, recomenda que a escola ofereça uma rotina de trabalho variada e que os professores os incentivem o tempo todo. No que depender de Mariluci, todos os itens estão contemplados: "Meus alunos podem e vão aprender. Eu trabalho para que isso aconteça".

Da prática de Mariluci fazem parte ao menos quatro situações essenciais - de acordo com pesquisas da área de didática da alfabetização -, que você acompanha nos quadros de atividades desta reportagem: a leitura em voz alta feita pela professora para a turma (conheça a atividade), a leitura de textos reais feita pelos que ainda estão tentando ler, a escrita feita pelos que ainda estão aprendendo o sistema alfabético e a produção de texto oral com destino escrito, quando os alunos ditam e ela escreve no quadro.

Em seu planejamento diário - são quatro horas e meia de aula -, ela dedica a maior parte do tempo à alfabetização. No entanto, garante que haja espaço para Matemática ou História e Geografia. "Já tive dificuldade de balancear a rotina porque muitas atividades têm de ser realizadas com freqüência quase diária", conta Mariluci."Hoje sei dosar melhor o tempo e se não consigo dar conta de alguma delas num dia compenso no outro. O importante é a continuidade."

Nem sempre, no entanto, suas aulas foram tão organizadas e focadas na aprendizagem do aluno. Quando Mariluci começou a lecionar, recém-formada em Pedagogia, em meados dos anos 1980, havia uma linha didática predominante na alfabetização, a mesma pela qual ela havia sido ensinada quando criança.

O lançamento de A Psicogênese da Língua Escrita, livro de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, inspirava os primeiros trabalhos feitos por pesquisadores brasileiros. A novidade conceitual ainda estava distante das salas de aula e poucos sabiam explicar como de fato as crianças aprendem os degraus pelos quais elas passam durante esse processo (leia as hipóteses de escrita). A obra revolucionou a percepção sobre a alfabetização ao considerar que o ponto de partida da aprendizagem é a própria criança e permitiu compreender por que a escola conseguia alfabetizar alguns e não outros.

Hoje é amplamente sabido que o que mais pesava era o contato com a escrita no cotidiano. E, se o aluno tem pouco contato, a aprendizagem fica prejudicada. Os reflexos dessa situação são sentidos no país. Dados do 5º Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), realizado pelo Instituto Paulo Montenegro em 2005, mostram que 74% dos brasileiros adultos não conseguem ler textos longos, relacionar informações e comparar diferentes materiais escritos. Mesmo entre os que concluíram o Ensino Médio, 43% não possuem essas habilidades. É a prova de que a escola apenas perpetua essa exclusão, pois não está ensinando a utilizar a leitura e a escrita para dar conta das demandas sociais e para continuar aprendendo ao longo da vida - como o Inaf define o que seja uma pessoa alfabetizada.

Alfabetizar na 1a série...

- Garante que os alunos avancem no aprendizado da leitura, da escrita e das demais matérias escolares. 
- Evita que o fracasso seja uma marca na vida das crianças já no início da escolaridade.